Cláudio Justa é advogado criminalista e ex-presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen). Em artigo de opinião publicado com exclusividade pela Pastoral Carcerária do Ceará, Justa questiona qual modelo APAC o Governo do Estado pretende implantar no Ceará.
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O Secretário de Administração Penitenciária tem, por diversas vezes, em nome do Governo do Estado, declarado à Imprensa que intenciona transformar as antigas estruturas das Cadeias Públicas em unidades de cumprimento de pena à luz do método da Associação de Assistência aos Condenados – APAC. Visando, segundo ele, promover a humanização das prisões sem perder de vista a finalidade punitiva.
Aparentemente, trata-se de um plano bastante positivo. Afinal, a metodologia APAC é a que, comprovadamente, mais diminui a reincidência delitiva dos egressos, o que per si é um eloquente indicador de recuperação do apenado. Porém, quando nos detemos um pouco no conteúdo da fala do Secretário de Administração Penitenciária, algumas inconsistências aparecem.
Mauro Albuquerque fala, por exemplo, que o Estado vai criar, mas ela já está criada. A APAC, na verdade, nasce em 1972, na cidade de São José dos Campos - SP, através de um grupo de voluntários cristãos, sob liderança do advogado Mário Ottoboni, como entidade civil de direito privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à recuperação e à reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade, com uma dinâmica metodológica totalmente diferenciada da doutrina adotada pelo atual Secretário.
Na APAC o Estado não é o operador da custódia, os próprios apenados são voluntários (na grande maioria egressos recuperados) que se responsabilizam pela disciplina da unidade. No lugar do chamado “contato zero” entre internos e agentes, há o máximo contato. No regime semi-aberto, por exemplo, onde é permitida a saída do interno para o trabalho, este sai com a chave de sua cela.
Nela, o preso é responsável pela execução da própria pena, não o Estado. O Estado, notadamente o Poder Judiciário, apenas declara formalmente a regularidade desse cumprimento, levado a efeito pelo próprio apenado, para fins jurídico. Algo bem diferente da doutrina adotada pelo atual Secretário de Administração Penitenciária do Ceará.
Ademais, a APAC aqui no Ceará já foi criada, inclusive com apoio das autoridades locais. O próprio Governo do Estado apoiou, em 2016, o seminário de formação dos voluntários, promovido pela Fraternidade Brasileira de Assistência ao Condenado – FBAC. Hoje a APAC está constituída, tem como presidente a advogada Ruth Leite, que também é a atual presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará (Copen), e o próprio autor deste artigo é o Assessor Jurídico da instituição.
O estranho é que, mesmo sendo a única instituição certificada nacionalmente como APAC, esta nunca foi sequer consultada acerca do planejamento do Governo do Estado em converter os espaços ociosos das cadeias públicas em unidades para implantação da metodologia, nem tão pouco a FBAC foi consultada. Daí surge a pergunta: O Governo fala do quê quando fala de APAC? Porque a APAC não é Estado, é Sociedade Civil.
Será que o Estado sabe que não poderá ter o controle das unidades prisionais APAC? Que haverá um convênio e a gestão da custodia penal será transferida para os voluntários da Associação?
Bom, pela declarações do Secretário, o Estado parece não contemplar ideia de ceder o controle disciplinar da Execução Penal. Se sim, porque não procura a APAC constituída no Ceará? Muita coisa ainda não esclarecida.
Remanesce, então, a pergunta à espera de resposta: O Governo do Ceará fala do quê quando fala de APAC?
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