Editorial O POVO, publicado em 13 jul. 2020.
Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi promulgado pelo então presidente Fernando Collor de Melo, no dia 13 de julho de 1990, surgia uma nova lei com objetivos bem audaciosos para um País profundamente desigual como o nosso: transformar todas as pessoas com menos de 18 anos em sujeitos de direito, garantindo educação de qualidade, saúde, alimentação, esporte, formação profissional, dentro de uma ampla rede de proteção e assistência capaz de gerar oportunidades e real desenvolvimento.
Passados 30 anos, é necessário reconhecer que houve avanços, apesar do longo caminho que ainda é necessário percorrer para garantir vida digna à nossa juventude. Temos que comemorar, por exemplo, a efetiva queda da mortalidade infantil no Brasil, que passou de 47,1 óbitos a cada 100 mil bebês nascidos vivos antes de completar um ano de idade, em 1990, para 12,4 em 2018. Números positivos também em relação às matrículas escolares. Há três décadas, cerca de 20% das crianças entre 7 e 14 anos estavam fora da sala de aula. Vinte e oito anos depois, apenas 4,2% daqueles entre 4 e 17 anos não frequentavam alguma unidade de ensino. Além disso, em um período de 24 anos, o País evitou que 6 milhões de meninos e meninas entre 5 e 17 anos estivessem em situação de trabalho infantil.
Ao mesmo tempo, há ainda muitos dados que nos envergonham: 2,4 milhões de crianças e adolescentes com menos de 14 anos exercem alguma atividade laboral; 1,7 milhão estão fora da escola. Quando o assunto é violência, então, as estatísticas são assustadoras. Segundo estudo da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, em média 29 crianças e adolescentes são assassinados por dia no Brasil. Só no Ceará, entre 2014 e 2020, 5.063 adolescentes foram vítimas de homicídio. Para os jovens em conflito com a lei, um sistema socioeducativo cada vez mais ineficaz. Some-se a isso os casos de violência sexual e psicológica, agravados por meio das redes sociais.
No atual contexto de pandemia, os desafios são ainda maiores em razão do aprofundamento da vulnerabilidade social. É preciso ressaltar que a pobreza afeta de forma mais intensa crianças e adolescentes do que o resto da população. Alguns danos acabam sendo irreversíveis. Temos ainda o risco de queda nos índices de vacinação, mais violência doméstica, aumento do trabalho infantil e evasão escolar. Vale lembrar que 4,8 milhões de jovens não têm acesso à internet em casa, prejudicando o ensino remoto.
Cenário que exige ações cada vez mais transversais, dentro de um trabalho integrado entre ministérios, governos estaduais, prefeituras e sociedade em geral. Como pensar em redução da maioridade penal, debate que vez ou outra vem à tona, se direitos básicos não são respeitados? Após 30 anos, o momento não é para retrocessos, mas para reafirmar nosso compromisso de efetivação do ECA.
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