Denúncias foram feitas após inspeção conjunta do Cedeca e da Defensoria, que atuam de forma mais reforçada desde o inicio da pandemia no Estado
Por Gabriela Almeida
Adolescentes internados no Centro Socioeducativo Passaré (CSP), em Fortaleza, estariam sendo submetidos a agressões físicas, torturas e condições precárias de higiene. Isso foi o que apontou um relatório produzido após inspeção conjunta do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca-Ce) e da Defensoria Pública do Estado à instituição, em julho deste ano, e divulgado nesta terça-feira, 11.
Durante visita, os agentes das entidades observaram dormitórios sujos, água e lixo acumulados e “armadilhas para tentar conter infestação de ratos”. Os adolescentes chegaram a mostrar em suas peles marcas de mordidas dos roedores, que seriam supostamente atraídos pela “sujeira acumulada na parte externa da unidade”.
Também foram relatados aos representantes casos de violência institucional, como agressões físicas e verbais, assim como procedimentos “disciplinares” como o processo chamado de “tranca”, onde a penalização dada a quem não tem boa conduta é o isolamento em ambiente insalubre.
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Outras formas de intimidações, como revistas consideradas pelos adolescentes como “vexatórias” também foram relatadas por eles aos agentes dos órgãos durante visita. Além de expor a problemática da situação, o relatório também fez “recomendações urgentes” ao Estado, buscando assegurar a proteção dos adolescentes.
Cedeca e Defensoria promoveram uma reunião na última semana com a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas). Defensores e demais representantes relataram ocorrido e cobraram medidas por parte do órgão, que se comprometeu a apurar as denúncias.
Pandemia pode agravar quadro
De acordo com o defensor público Francisco Rubens de Lima Júnior, titular da 2ª Defensoria do Núcleo de Atendimento aos Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja), as inspeções nos centros socioeducativos do Estado foram reforçadas com a pandemia, além da emissão de relatórios. Ações foram tomadas no intuito de certificar que espaços cumpriam medidas de combate ao novo coronavírus.
Além dessas medidas - que acabaram expondo problemas graves, Rubens afirma que a Defensoria realizou parcerias com outras organizações para proteger adolescentes, produzindo máscaras, distribuindo álcool gel, entre outros. "Temos tido um duplo olhar, de perceber as deficiências, as necessidades de melhoria e, por outro lado, buscar alternativas que tragam condições favoráveis”, explica o defensor.
Durante esse período de crise sanitária, os adolescentes não podem receber visitas - como forma de evitar a disseminação do vírus. Para Bruno de Sousa, assessor jurídico do Cedeca Ceará, a atitude pode piorar o quadro de violência institucional relatado durante visita, uma vez que o distanciamento de parentes dificulta a realização de denúncias.
“Essas medidas não podem ser o próprio fator de vulnerabilização desses adolescentes”, considera o assessor. Como meio de resolução, ele pontua que o Governo precisa intensificar as fiscalizações nesses espaços e garantir, de forma mais efetiva, o direito dos aprisionados. “Nós fazemos a nossa parte, mas sem excluir a responsabilidade do Estado de fiscalizar e garantir a proteção desses garotos", pontua.
Situação recorrente
Quando perguntado se essa é a primeira vez que casos de violência são relatados em centros socioeducativos do Estado, Bruno explica que situação já aconteceu outras vezes. Em 2015, por exemplo, o Cedeca Ceará chegou a denunciar esses espaços à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Como resposta, o órgão internacional emitiu medidas cautelares para três unidades do Ceará, sendo elas: Centro Educacional São Miguel, Centro Educacional Dom Bosco e Centro Educacional Patativa do Assaré. Todos esses espaços foram acusados, à época, de promoverem violência institucional.
De acordo com o Cedeca, em março deste ano o órgão chegou a realizar uma inspeção na unidade do Passaré que resultou em recomendações à Seas. Momento aconteceu após o adolescente Douglas Vieira da Silva, de 17 anos, morrer no local em decorrência de um confronto.
Garantia de providências
Em nota encaminhada ao O POVO, a Seas garantiu que estão sendo tomadas "todas as providências" em relação ao que foi relatado por entidades durante reunião. Em relação as questões de insalubridade apontadas, o órgão afirmou que o lixo observado por agentes são entulhos, "decorrentes da reforma de melhoria na quadra da unidade", e que foram retirados do local na última semana.
A Seas também informou que apresentou a entidades "documentos atualizados da realização de dedetização e desratização" e que reforçou os protocolos de higiene, visando evitar a disseminação do novo coronavírus no espaço. Toda medida de prevenção à Covid-19 está sendo, de acordo com órgão, baseada nos planos de contingência previstos nos Centros Socioeducativos.
Para compensar a ausência familiar, os adolescentes tiveram o tempo de ligação ampliado - podendo agora falar com entes uma vez por semana, durante 10 minutos. Outra medida implantada foi o sistema de videoconferência, que busca "aproximar" os aprisionados de seus parentes.
Ao saber dos relatos de maus-tratos, a Corregedoria da Seas instaurou uma sindicância e, caso haja confirmação de que violências ocorreram, os envolvidos devem ser penalizados. Por fim, o órgão rebate a acusação da "tranca" alegando que "em nenhum Centro Socioeducativo há a utilização de espaços de isolamento de nenhuma natureza".
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