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Ricardo Moura no O POVO: A miséria das prisões - o lado oculto dos ataques


Neste ano o Estado do Ceará já registra segunda onda de ataques criminosos. Na foto, agência bancária incendiada em Janeiro (2019). (Foto: EPA / BBC)

Ricardo Moura é Jornalista e Sociólogo, Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (LEV/UFC), e do Laboratório de Conflitualidades e Violência da Universidade Estadual do Ceará (Covio/UECE). Desde 2014 é colunista de Segurança Pública do Jornal O POVO (Fortaleza-CE).



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Durante a última semana, muitas pessoas se perguntaram sobre o motivo pelo qual os ataques cometidos terem sido tão aleatórios e agressivos, vitimizando pessoas e estabelecimentos que em nada têm a ver com os órgãos públicos. Casos como o de uma loja de estofados incendiada no bairro Quintino Cunha provocaram indignação generalizada.


Não é possível, contudo, dissociar o que vem acontecendo nas ruas à atual política prisional. Responsabilizar uma organização criminosa pelos atos não resolve o problema por si só.


Ao contrário do que aconteceu no início do ano, o que se pode perceber é que o desespero está falando mais alto que o planejamento das ações. E isso se deve, certamente, aos oito meses da política penal do "procedimento".


Os ataques realizados em setembro representam um sinal de alerta de que a cadeia está prestes a "quebrar". Ou seja, o nível de tolerância às políticas desumanizantes está intolerável. Se nenhuma mudança for feita no atual modelo, os presídios continuarão sendo uma eterna panela de pressão.


O Governo do Estado gosta de se apresentar como uma gestão moderna e progressista. No entanto, vem adotando métodos anacrônicos e desumanizantes no que se refere ao tratamento destinado à população carcerária.


A coluna conversou com algumas mães de jovens encarcerados para saber o que está ocorrendo atrás das grades. "Humilhação" é a palavra que mais aparece nas conversas. "Nós mães, pais e esposas simplesmente somos julgados e condenados juntos com nossos filhos. Nos olham com desprezo e nos humilham", comenta Francisca (nome fictício).


Os maus tratos vão desde a exposição ao sol por horas até o uso de spray de pimenta e agressões físicas com toques de sadismo. Catarina (nome fictício) revela que o filho passou por todas essas situações durante o tempo em que esteve cumprindo sua pena.


"Ele apanhou demais. Botaram ele em um quarto escuro, com ratos. Todo dia era spray de pimenta nos olhos. Quebraram a clavícula dele lá no pátio durante o 'procedimento'. Meu filho foi humilhado demais. Não era preciso tratá-lo dessa forma", desabafa.


É perfeitamente possível cobrar que um crime seja punido sem chancelar esse tipo de arbitrariedade.


Uma característica da atual gestão é a cortina de ferro aplicada ao sistema prisional. A comunicação entre os familiares é escassa, bem como a presença de representantes da sociedade civil nas unidades. Francisca está há 35 dias sem saber o que acontece com o filho, preso por roubo: "Como mãe, busco toda quarta-feira por notícias do meu filho e infelizmente me negam o direito de saber se o meu menino está vivo ou morto". E acrescenta: "Nos fazem ficar numa fila quilométrica por horas a fio embaixo do sol, pois precisamos entregar o tal do malote com produtos de higiene pessoal."


"O que se fala é que cada preso custa para os cofres públicos a bagatela de R$ 6 mil reais. Para onde vai esse dinheiro se quem sustenta o preso somos nós familiares?"


Os maus tratos mencionados pelas mães não são novidades para quem leu o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) divulgado em abril. Um fato descrito na publicação, porém, dá pistas sobre como o tratamento dispensado aos encarcerados é seletivo.


Na parte externa do Centro de Triagem e Observação Criminológica (CTOC) há o que os agentes chamam de "Selvinha", nome dado à antiga "Selva de Pedra" do Instituto Penal Paulo Sarasate. O espaço foi reaberto em 2016, servindo como abrigo para detentos considerados "seguros": presos por violência doméstica, população LGBT, crimes sexuais, nível superior e ex-policiais.


O relatório descreve as condições de prisão do local da seguinte forma: "No corredor A, da 'Selvinha', todos os presos trabalhavam no Complexo. Eles nunca deixaram de receber visitas. Suas celas não eram superlotadas. Todos tinham acesso a livros, biscoitos, refrigerantes, ventiladores, rádios, mosquiteiros (...) O perfil dos presos era de ex-policiais, filhos de policiais ou eram identificados como detentores de privilégios maiores".


Se é possível garantir o mínimo de dignidade a tais presos, porque a Secretaria de Administração Prisional (SAP) não faz o mesmo com os demais encarcerados? Por que não apostar mais na reabilitação e menos em um modelo repressivo que em nada condiz com a Lei de Execução Penal?


Fica o questionamento de Débora (nome fictício): "Como uma pessoa detém tantas chaves e não abre porta nenhuma? Só existe uma porta: a de entrada. A porta de saída ainda precisa ser mostrada para a sociedade. É só punir, controlar e vigiar. Quando eles vão falar em alternativas?".


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