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Ricardo Moura: Precisamos de uma polícia penal no Ceará?


Foto: Assessoria de Comunicação da Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará (27/set/2017)

Por Ricardo Moura, no Jornal O POVO

Título original: "Precisamos de mais uma polícia no Ceará?"


Sem muito alarde, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou em agosto o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que cria a figura da Polícia Penal do Ceará. Conforme a legislação, a "nova companhia tem natureza permanente, com função indelegável de Estado, vinculada ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertence, cabendo a ela a segurança dos estabelecimentos penais". O projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional, mas é preciso que seja regulamentado em cada estado para que possa entrar em vigor.


A partir de sua implementação, os 3,7 mil agentes penitenciários do Ceará se tornarão policiais penais. A mudança atende a um anseio da categoria que viu, nos últimos anos, suas atribuições serem ampliadas. Mas quais são as implicações disso para a segurança pública?


As prisões nunca foram uma pauta prioritária para os governantes de plantão. O coronel José Freire Bezerril Fontenelle, presidente do Estado do Ceará entre 1892 e 1896, já se queixava do abandono e das más condições aos quais os presos da época eram submetidos. Em mensagem à Assembleia, Bezerril descrevia as prisões do Ceará do século XIX da seguinte maneira:


"A disciplina e o serviço presidiário interno da cadeia não podem continuar nas condições em que ora se acham. Convertida em pequeno mercado intramuros é antes um estabelecimento mais apropriado a estimular os delinquentes do que à expiação do crime e regeneração dos detentos".

Passados mais de cem anos pouca coisa mudou no que diz respeito à concepção da unidade prisional como instrumento de ressocialização. Nesse período, no entanto, o número de presos não parou de crescer. A população carcerária saltou de 13.121 detentos, em 2008, para 22.188 em julho deste ano. A contagem não inclui as pessoas monitoradas por meio de tornozeleiras eletrônicas.


Somente a partir de 2016, pelo menos, as questões relativas às condições de vida nas prisões se tornaram centrais para a gestão estadual em um processo no qual as facções operam como sujeitos políticos em defesa de suas demandas, sejam elas legítimas ou não. Por causa disso, qualquer debate sobre segurança pública que não leve o sistema penitenciário em consideração se torna incompleto.


A criação de uma polícia específica para lidar com a rotina do sistema penitenciário, portanto, não deixa de ser mais uma consequência política do crescente protagonismo que o crime organizado desfruta no Ceará.


É consenso que as unidades prisionais precisam de maior atenção por parte do poder público. A nomeação de um especialista no assunto para o comando da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), o policial civil Mauro Albuquerque, é uma mostra de que o Governo do Estado decidiu profissionalizar o modo como lida com suas prisões ainda que sob a forma de uma reação à atuação das organizações criminais.


No entanto, a forma como o Estado precisa lidar com essa questão é objeto de polêmica. A solução encontrada se deu por meio de um processo de militarização da gestão dos presídios. Não é preciso ir muito longe para confirmar que o novo regime espelha a doutrina militar. Os elementos norteadores da polícia penal, conforme descritos no artigo 188-B da nova redação constitucional, são "a hierarquia e a disciplina", ou seja, os mesmos que orientam a Polícia Militar.


Além disso, a mudança ocorre sob a lógica de uma política prisional cujos contornos ainda são muito pouco claros. A Doutrina de Intervenção Penitenciária parece ser o principal plano do Governo do Estado para o setor. O conceito de intervenção, contudo, traz consigo as características de ação de caráter emergencial e disruptiva às atividades de rotina. Por essência, a intervenção deve ser temporária e não a norma.


O que se observa de fora dos presídios, contudo, é que a exceção se tornou regra e não o contrário. É no interior desse contexto que a figura de um policial se apresenta como mais necessária que a de um agente administrativo.


Os riscos de uma polícia penal residem nesse interstício legal, nas brechas existentes entre a necessidade e a legalidade da atividade de monitoramento dos presos.


Quem irá controlar as ações dos policiais no interior dos presídios? Como será feita essa formação, haja vista que não se trata apenas de uma mudança da nomenclatura, mas de uma reestruturação profunda tanto da carreira quanto das competências? Não se trata de dar ainda mais poder a uma secretaria que já conta com muita autonomia, mas pouca transparência?


Os legisladores cearenses parecem não ter levado essas perguntas em consideração. A resposta ao "caos do sistema prisional" não pode ser resumida na criação de uma nova polícia. Em se tratando de segurança pública, as respostas mais simples passam longe de serem as melhores.

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